segunda-feira, 29 de março de 2010

Triste Sina

Segunda feira. Maria acorda.Levanta da cama e sente, ainda, as dores da surra que levou, na tarde passada , de seu companheiro e pai de seus três filhos - Josilene, Jonh Lennon e Elis Regina - quando ele chegara bêbado em casa exigindo dinheiro, que ela se negara a dar. Está atrasada para ir trabalhar.Emprego bom, em casa de família, num bairro distante do morro onde mora. Ela sabe que precisa se apressar. Ignorar as dores das surras de Jão é coisa corriqueira para ela. Não pode abandoná-lo, apesar do filho sempre lhe pedir que se separe, principalmente quando Jonh briga com o pai na tentativa de defendê-la. Ele a mataria.  Ele já tentara quando, época que os meninos eram ainda pequenos, ela tentou sair do barraco e largá-lo.
Esta triste sina não abate Maria, que está acostumada a aguentar os fardos que a vida lhe impõe. O companheiro é apenas mais um dos fardos e não se esmorece com ele, ao contrário, suporta-o estoicamente.
O que mais dói em Maria é pensar que seu filho do meio, Jonh Lennon, está indo pelo mesmo caminho do pai: pequenos crimes na companhia de maus amigos e a maldita da bebida... Isto dói-lhe no fundo da alma. Lembra-se, então, que precisa acordar a filha mais nova para ela ir à escola.
Repara que, mais uma vez, seu filho não dormiu em casa e sente um frio na barriga. Sabe que o filho está andando com o pessoal do tráfico, porém, nas vezes que tentara lhe falar sobre o assunto a resposta dada por ele fora que aquela vida era a única que conhecia, que o exemplo vinha de casa.... Maria, ao se lembrar desta conversa, solta um suspiro pesaroso. O suspiro que todas as mães têm quando sabem que perdera os filhos.Ela afasta o pensamento, precisa ir trabalhar.
Sai correndo, depois de se arrumar depressa, e chega no asfalto com falta de ar, pois desceu o morro a pleno galope, na tentativa de pegar o ônibus das 07:30. Ela sente o suor escorregando pela suas costas e cheira suas axilas que está exalando forte odor, o cheiro das mulheres de sua raça - assim ela pensa. Ela se lembra da lição que sempre dá aos filhos: sejam sempre limpinhos, porque preto já sofre por ser preto, sendo pobre piora a situação, cheirando mal as coisas que já são difíceis, ficam impossíveis.
Dentro do ônibus abre a bolsa e pega a carteira, agradece a Deus. Jão não pegou o dinheiro que tinha, então, aliviada, paga o passe do ônibus.
Chega ao trabalho e arruma toda a bagunça e sujeira acumulada no final-de-semana. A limpeza leva o dia todo, mas ela não reclama, pois é um emprego maravilhoso, em vista dos outros que já tivera. Toca o telefone.Maria atende, se identifica como de praxe. Sua cabeça começa a rodar e o frio na barriga retorna quando o interlocutor se identifica como agente da polícia. Ela sabe que não é o Jão que está com problema - este estava deitado no sofá carmim que a patroa lhe dera à 1 ano atrás. Sabe que é seu filho é quem está em perigo. Ela pára de escutar o que ele lhe diz, quando o agente fala sua profissão - médico legista.Sabe, pela experiências de outras mães do morro, que médico legista é portador de más notícias. Deixa-se cair sentada na cadeira da cozinha de sua patroa e chora baixinho, sabe que  nem na morte do filho poderá lhe oferecer algo de digno, pois sequer tem o dinheiro pro caixão. Triste sina!

2 comentários:

  1. Que lindo, prima. Nao sabia que vc escrevia. Caramba, tenho um texto com detalhes ate parecidos com o seu... triste sina mesmo, dessas mulheres que vivem as mesmas tragedias pelos mesmos motivos.

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  2. ANA,lí este seu texto de cruel verdade e absoluta correção, assim como dizia Nelson Rodrigues: A vida como ela é!

    Somos uma sociedade que protege os ovinho de tartarugas que devem realmente serenm preservado, para o equilíbrio ambiental, mas que veria também ter a mesma relaçao de cuidado com o ser humano.

    Então me lembro da Música do Geraldo Vandré, quando ele diz:

    -"...Porque gado a gente marca
    Tange, ferra, engorda e mata
    Mas com gente é diferente..."

    Eu lhe pergunto, ANA é diferente?

    Um abração carioca!

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